domingo, 18 de novembro de 2007

Entrevista - Dráuzio Varella & Ricardo Barini

Entrevista - http://drauziovarella.ig.com.br/entrevistas/infertilidade4.asp
Dr. Ricardo Barini é médico e professor de obstetrícia na Faculdade de Medicina da Unicamp (SP).

Reprodução assistidaDrauzio – Quando a mulher não engravidar, apesar do estímulo hormonal, de a ovulação ter ocorrido no dia certo e da relação sexual ter se dado no período conveniente, o que se pode fazer?

Ricardo Barini – O passo seguinte é a reprodução assistida que pode ser realizada pelo processo de inseminação artificial e de fertilização in vitro.
a) Inseminação artificialDrauzio – Como funciona a inseminação artificial?

Ricardo Barini – Inseminar significa colocar o sêmen dentro do útero. Só isso. Teoricamente, induzimos a ovulação com hormônios e programamos de novo o dia e horário mais prováveis em que ela irá ocorrer. Nesse dia e hora, o marido vai ao laboratório e colhe sêmen que é preparado convenientemente. Na natureza, quando a relação sexual ocorre pelas vias convencionais, ao passar pelo muco cervical, ou seja, pela secreção do colo do útero, o espermatozóide sofre um processo de amadurecimento que se chama capacitação espermática. Como isso não acontece na inseminação artificial, porque o sêmen será jogado diretamente dentro do útero, é importante que a capacitação espermática seja feita em laboratório. A seguir, o sêmen concentrado num pequeno volume de cultura, que lhe servirá de meio de transporte, será colocado através do colo diretamente no útero por meio de uma cânula de plástico. O processo inteiro é acompanhado pelo ultra-som para se ter certeza de que tudo correu como previsto.Para uma paciente ser candidata ao tratamento com inseminação artificial precisamos ter a garantia de que as trompas estão em condições normais de funcionamento e que ovulação está ocorrendo na data determinada.

Drauzio – Esse tratamento é feito com anestesia?

Ricardo Barini – A inseminação é um processo tão simples quanto um exame ginecológico comum. Com um espéculo, o médico visualiza o colo do útero. A câmara possui um diâmetro muito pequeno que permite atravessar o canal cervical sem machucar a paciente e a injeção também não é dolorosa. Às vezes, pode provocar leve cólica, porque o líquido com o sêmen distende um pouco a cavidade uterina. Normalmente, porém, é absolutamente indolor.Após a inseminação, a paciente permanece por meia hora em repouso, apenas para que haja tempo de o material injetado difundir-se pelas trompas. Em seguida, sai andando e está liberada para ir para casa.

b) Fertilização in vitroDrauzio – Como é feita a fertilização in vitro?

Ricardo Barini – Na fertilização In vitro, o processo é um pouco mais complicado e agressivo. A quantidade de remédio prescrita para a paciente ovular é muito maior. O objetivo é conseguir o maior número possível de folículos maduros para a coleta. No dia e hora em que está programada a ovulação, a mulher recebe anestesia geral de curta duração e, por via transvaginal, o ovário é puncionado e são coletados os folículos. O ultra-som permite visualizar quantos folículos existem, qual seu tamanho e se foram completamente aspirados. No laboratório, eles são manipulados pelo embriologista, o especialista que trabalha com os embriões propriamente ditos, que seleciona os folículos e, pela aparência, decide quais estão no ponto exato de maturação. Essa triagem é feita pelo microscópio.

Drauzio – Nesse meio tempo, o que fazem os maridos?

Ricardo Barini – O marido está coletando sêmen por masturbação. Esse sêmen vai passar por processo idêntico ao realizado na inseminação artificial. Daí em diante, há dois procedimentos possíveis. Primeiro: os óvulos e os espermatozóides são colocados num meio de cultura para que a natureza se encarregue da fertilização que está sendo in vitro, ou seja, fora do corpo da mulher. Nesse caso, os espermatozóides vão competir entre si e o que chegar antes fecundará o óvulo.

Drauzio – Quantos óvulos são postos nessa cultura?

Ricardo Barini – Tantos quantos consigamos coletar. O ideal é que a paciente tenha pelo menos quatro óvulos, porque sempre ocorrem perdas. Na verdade, o ideal seria que tivéssemos oito óvulos submetidos à fecundação. Como nessa primeira etapa a taxa de perda gira em torno de 10% a 20%, sobrariam seis para continuar se dividindo e multiplicando nos dias que se sucedem.

Drauzio – As primeiras multiplicações acontecem no laboratório?

Ricardo Barini – No laboratório, os óvulos fecundados são mantidos numa estufa com alta concentração de dióxido de carbono, e temperatura e qualidade do ar controladas. Depois de um ou dois dias, às vezes até no quinto dia, os embriões são colocados dentro do útero da paciente, sem anestesia, seguindo os mesmos passos da inseminação artificial. Esse processo de fertilização favorece o nascimento de múltiplos.

Drauzio – Qual seria a chance de um único óvulo dar origem a uma gravidez bem sucedida?

Ricardo Barini – Seria bem pequena. Cada embrião colocado dentro do útero é importante para a probabilidade de a gravidez se concretizar. Com quatro embriões, a média de sucesso é de 25% a 30% e diminui à medida que o número de embriões vai sendo reduzido.Muita gente se surpreende quando se mencionam esses dados e considera o resultado da reprodução assistida muito pequeno. A natureza também não costuma ser muito eficiente quando se trata de gravidez. No total de ciclos em que a fecundação se dá por vias naturais, a taxa de perda espontânea varia entre 60% e 80%. Grande parte das vezes, a perda é imperceptível e a gravidez termina sem que ninguém tenha a menor noção do que aconteceu.

Drauzio – Qual é o outro método utilizado para a fecundação in vitro?

Ricardo Barini – Quando o homem possui um número muito pequeno de espermatozóides ou eles têm pouca vitalidade, não se pode correr o risco de esperar que a fecundação ocorra num meio de cultura. Para resolver o problema, criou-se um método que se chama injeção intracitoplasmática do espermatozóide. Através de um micromanipulador coleta-se o espermatozóide que será injetado dentro do óvulo à força. Outras vezes, é preciso recorrer a procedimentos cirúrgicos. Abre-se o testículo e por microdissecção procura-se um espermatozóide viável para a fertilização.

Drauzio – Quando esses dois métodos não funcionam, há outros recursos?

Ricardo Barini – Existem recursos que buscam melhorar a resposta imunológica da paciente. Mulheres que fazem ciclos repetidos de fertilização e não conseguem engravidar podem ter o sistema imunológico com propensão a hiper-reatividade. Elas hiper-reagem à presença do corpo parcialmente estranho que é o embrião. Nesse caso, o procedimento indicado é fazer uma inoculação de leucócitos, isto é, dos glóbulos brancos do parceiro no organismo da mulher para que seu sistema imunológico mude as características de resposta imune e ofereça uma resposta de proteção para o embrião o que não aconteceria sem o tratamento.

Drauzio - Vale lembrar que o feto não é igual à mãe, não tem a mesma compatibilidade de tecidos dela.

Ricardo Barini – O fato é que metade do feto é igual à mãe, mas metade tem origem paterna e precisa receber uma espécie de visto de permanência que culmina numa resposta imunológica de aceitação. Existe um grupo de células chamadas natural killers, ou células NK, (brinco que são a polícia federal do sistema imunológico) que fica observando as células estranhas ao organismo da mulher e que não deveriam estar ali. Quando encontram o embrião que não passou as informações imunológicas necessárias ou, mesmo que o tenha feito, as reações não foram percebidas pela mulher, as células NK promovem a expulsão do concepto. O tratamento imunológico visa à correção dessa dificuldade em estabelecer o processo de reconhecimento da gravidez como tal.

Drauzio – Esse é um tratamento fácil de administrar?

Ricardo Barini – Razoavelmente fácil. Colhe-se sangue do marido, procede-se a uma separação laboratorial dos glóbulos brancos que são concentrados em 0,5mL de soro fisiológico e injetados por via intradérmica, em intervalos regulares, na mulher. Existem exames para acompanhar o processo e demonstrar que ela está produzindo as reações que consideramos importantes. Quando ela tem a resposta adequada, é liberada para enfrentar um novo ciclo de fertilização e a chance de conseguir a gravidez pelo menos dobra em relação à tentativa de engravidar sem o tratamento imunológico.

Drauzio - Que volume de sangue é retirado do marido?Ricardo Barini – Para a vacinação, o marido retira 80mL de sangue no dia em que vai ser feito o procedimento porque trabalhamos com leucócitos vivos, com glóbulos brancos frescos. Num período de duas a quatro horas, esse sangue é processado e, em seguida, a mulher recebe a aplicação por via intradérmica no laboratório.A injeção é meio dolorida e pode dar uma reação no local, coceira, por exemplo. Além disso, não existe nenhuma outra reação física como febre ou mal-estar.

Drauzio – Quantas injeções dessas se fazem necessárias?

Ricardo Barini – São feitas duas injeções com intervalo de quatro semanas entre uma aplicação e outra e aguardam-se mais quatro semanas para medir se a resposta imunológica foi adequada. No primeiro procedimento, isso ocorre com 85% das pacientes. Os 15% restantes requerem procedimento mais intenso e de forma mais concentrada e repete-se o teste para saber se a mulher está liberada para novo ciclo de fertilização.

Drauzio – Essa tecnologia é cara?

Ricardo Barini – Se comparada com o custo médio de um processo de fertilização, não é. Num ciclo de fertilização, a paciente gasta de 15 mil a 20 mil reais. O tratamento imunológico sai por volta de três mil. Claro que não é barato, especialmente se considerarmos o poder aquisitivo da nossa população, mas proporcionalmente não é tão caro quanto os outros procedimentos.

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